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Mulheres nas ciências: protagonismo e desafios na engenharia

Por Elise Bozzetto

Conheça um pouco mais sobre o projeto “Meninas nas Ciências: desenvolvendo habilidades nas engenharias” e a luta por espaços de voz e visibilidade feminina dentro das engenharias

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Letícia Diesel, Engenheira Civil, professora da Unisc e coordenadora do Projeto “Meninas nas Ciências: desenvolvendo habilidades nas engenharias”

A engenharia, historicamente um campo dominado por homens, vem testemunhando um aumento gradual da participação feminina. No entanto, apesar dos avanços, os números ainda revelam uma disparidade significativa e os desafios enfrentados pelas mulheres que escolhem essa área. Enquanto o Brasil busca impulsionar a inovação tecnológica na chamada Quarta Revolução Industrial, a sub-representação feminina na engenharia levanta questionamentos sobre igualdade de oportunidades e o pleno aproveitamento do talento nacional.

Dados do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) revelam que, em 2024, as mulheres representam 20% do total de engenheiros registrados no Sistema Confea/Crea, com 223.711 profissionais. No Rio Grande do Sul, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-RS) aponta um percentual ainda menor, cerca de 18%. A presidente do CREA-RS, Eng. Ambiental Nanci Walter, destaca que a área da Engenharia Mecânica apresenta a maior disparidade, com uma presença feminina bastante reduzida em comparação ao número de homens.

Essa sub-representação contrasta com o fato de que as mulheres são maioria no ensino superior brasileiro, representando 59,1% das matrículas, segundo o Censo da Educação Superior 2023, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Desafios e barreiras

Apesar de representarem 51,5% da população brasileira, as mulheres ainda enfrentam obstáculos para conquistar seu espaço em áreas tradicionalmente masculinas, como a engenharia. Esses desafios vão desde estereótipos de gênero que desencorajam meninas a seguir carreiras em exatas até a discriminação no mercado de trabalho e a falta de reconhecimento de suas capacidades.

O Relatório Científico da UNESCO (2024) alerta que, globalmente, as mulheres representam apenas 28% dos graduados em engenharia, mesmo diante da crescente demanda por profissionais qualificados em áreas tecnológicas.

Avanços e perspectivas

Embora o caminho para a igualdade de gênero na engenharia ainda seja longo, é importante reconhecer os avanços alcançados. A participação feminina tem crescido gradualmente ao longo dos anos, impulsionada pela luta de movimentos feministas, pela conscientização da sociedade e por iniciativas que buscam incentivar a presença de mulheres na área. Uma das iniciativas que busca essa igualdade nasceu na Universidade de Santa Cruz do Sul - Unisc. 

Letícia Diesel, Engenheira Civil, professora da Unisc e coordenadora do Projeto “Meninas nas Ciências: desenvolvendo habilidades nas engenharias”, escolheu estudar a participação das mulheres na engenharia porque percebeu que, apesar dos avanços, ainda existem grandes desigualdades de gênero nesse campo. “A engenharia historicamente foi vista como um ambiente predominantemente masculino, o que ainda influencia o acesso, a permanência e o reconhecimento das mulheres nesta área. Meu interesse surgiu tanto por experiências pessoais quanto pela vontade de contribuir para a construção de um cenário mais inclusivo e igualitário, onde o talento e a competência não sejam limitados por questões de gênero”, avalia a pesquisadora.

Segundo Letícia, entender os desafios enfrentados por essas meninas/ mulheres — e também suas conquistas — é fundamental para promover mudanças nos diversos ambientes. “As mudanças necessárias vão desde a pré-escola até o ensino médio e também no ensino superior, no mercado de trabalho e na cultura da engenharia. Compreender essa cultura também é essencial para entender como ela favorece ou dificulta a diversidade e a inclusão das meninas nesta área”, explica. 

Para a pesquisadora, o menor número de engenheiras é decorrente de uma combinação de fatores históricos e culturais principalmente de estereótipos de gênero, que desencorajam meninas desde cedo a seguir carreiras técnicas, como engenharia. “Além disso, a falta de representatividade feminina, a cultura masculina predominante nas engenharias e a discriminação no mercado de trabalho afastam as mulheres. A falta de apoio familiar e educacional, bem como a dificuldade de acesso a políticas inclusivas na maioria das instituições e empresas, também contribuem para essa desigualdade. Esses fatores criam um ciclo de exclusão e desmotivação, que limita a entrada e a permanência das mulheres na profissão”, pondera Letícia.

 

O projeto

O projeto “Meninas nas Ciências: desenvolvendo habilidades nas engenharias” foi realizado de 2018 a 2022. Neste ano, está em desenvolvimento um novo formato para o programa, que será implementado no período 2025/2–2026.

Contemplado pelo edital do CNPq (2018), o programa teve bons resultados mas não foi contemplado para o edital de 2023. “O projeto tem como entrave a demanda de recursos. Neste caso, essencial para o desenvolvimento das atividades”, comenta Letícia. 

O projeto demonstrou que, quando meninas têm acesso a informação, representatividade e apoio, elas se sentem mais confiantes e motivadas a explorar áreas como a engenharia. “Ao promover oficinas e espaços de escuta, percebe-se que muitas possuem dúvidas e inseguranças por falta de referências e incentivo. O impacto mais evidente é o interesse delas por cursos de exatas, além do fortalecimento da autoestima e da sensação de pertencimento. O projeto também tem ajudado a desconstruir estereótipos, mostrando que mulheres podem, sim, ocupar espaço na engenharia”, relata a engenheira civil.

Para Letícia, as mulheres devem ocupar o espaço da engenharia porque têm potencial para inovar e transformar o mundo por meio da ciência e da tecnologia. “A presença feminina traz novas perspectivas, promove a diversidade de ideias e soluções, e contribui para um ambiente mais justo e equilibrado. Porque eu mesma enfrentei dúvidas e barreiras, e hoje vejo como é importante abrir portas para que outras meninas possam ocupar esse lugar com confiança. Estar na engenharia é também transformar”, finaliza.

 

Como inspirar nossas meninas 

Meninas que desejam ingressar na engenharia e ciências podem buscar apoio de diversas formas, como participar de iniciativas como esta da Unisc. Visitar e participar das atividades de universidades locais, identificar e conhecer mulheres e histórias inspiradoras de mulheres na área para se motivar. Ainda, buscar bolsas de estudo ou estágios voltados para mulheres em áreas técnicas. Conversar com professores e familiares que podem fornecer conselhos e incentivo também é um bom caminho. Aproveitar cursos e oficinas, assistir vídeos da área, participar de feiras de ciência, competições de robótica ou programação para ter experiência.

 

Por um mercado de trabalho mais igualitário

Mulheres dominam os programas de pós-graduação no Brasil, mas ainda esbarram em barreiras invisíveis quando o assunto é reconhecimento e remuneração. Embora correspondam a 54% das bolsas de mestrado e 53% das de doutorado concedidas pelo CNPq, elas representam apenas 35,5% das cobiçadas bolsas de produtividade, destinadas aos cientistas de maior destaque na carreira acadêmica (CNPq, 2025). Essa discrepância fica ainda mais evidente em áreas de peso na economia do futuro: em 2022, apenas 15,7% das estudantes de Tecnologia da Informação eram mulheres, e elas detinham 39% das vagas no setor de TIC.

No mercado de trabalho, a realidade não é muito diferente. Segundo dados parciais da RAIS 2024, o rendimento médio masculino cresceu 0,9% (+R$ 34,55), enquanto o das mulheres avançou 0,8% (+R$ 24,89). Apesar do avanço, elas ainda ganham, em média, 27,9% menos que os homens no mesmo período – um hiato de R$ 9,66 na variação absoluta (RAIS, 2024).

Esses números revelam um duplo desafio: além da persistente desigualdade salarial, falta investimento proporcional em pesquisa para as mulheres, perpetuando um ciclo de invisibilidade e subvalorização de seu talento científico. Para transformar esse cenário, é urgente políticas públicas e corporativas que garantam equidade de recursos e oportunidades na academia e no mercado.

 

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