Saúde e Bem Estar

Reconexão Feminina - A jornada interior das mulheres na Psicoterapia

Por Elise Bozzetto

Com mais de 17 anos de experiência, Muriana Muccillo Reginatto vê seu trabalho como uma construção única voltada para cada paciente, de forma individualizada. Proprietária da Clínica Soul, que em inglês significa alma, ela entende que é necessário um olhar integrado para a pessoa, avaliando as conexões entre mente, corpo e essência

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Hoje, mais do que nunca, as mulheres estão entendendo que investir em si mesmas é essencial. Elas querem estar bem, não apenas para dar conta das demandas, mas para serem plenas, para viverem uma vida alinhada com seus desejos mais profundos. E isso vai muito além do sucesso profissional; é sobre bem-estar, felicidade e equilíbrio.”

A saúde mental das mulheres é um tema de crescente atenção no cenário global e apresenta dados alarmantes, especialmente no Brasil. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), fatores como desigualdade de gênero, violência doméstica e a sobrecarga da dupla jornada impactam diretamente o bem-estar psicológico feminino. As estatísticas mostram que mulheres têm uma probabilidade 50% maior de desenvolver transtornos de ansiedade e depressão em compara- ção aos homens. Para muitas, a psicoterapia tem sido uma aliada essencial.

 

No Brasil, a procura por psicoterapia entre o público feminino tem aumentado. De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), 80% das pessoas que buscam atendimento psicológico são mulheres. Esse número reflete tanto a conscientização sobre a importância da saúde mental quanto a necessidade de apoio diante de pressões e desafios específicos, como assédio e desigualdade. No entanto, especialistas alertam que ainda há barreiras de acesso e estigmas que dificultam o cuidado pleno com a saúde mental feminina.

Mulher: evolução de direitos mas falta de partilha nos “deveres”

 

Em uma sociedade onde as mulheres conquistaram direitos e espaços antes inimagináveis, o custo emocional desse avanço também precisa ser considerado. É com essa visão que a psicóloga e especialista em psicanálise Muriana Muccillo Reginatto aborda a saúde mental feminina. Ela compartilha a importância de as mulheres buscarem equilíbrio entre suas diversas facetas e a verdadeira essência.

“Hoje, a mulher precisa ser uma profissional bem-sucedida, uma mãe dedicada, uma esposa presente, uma amiga disponível e, ainda assim, estar sempre bonita e bem cuidada. São papeis que a sociedade, e muitas vezes ela mesma, impõe”, reflete Muriana. Esse excesso de demandas, segundo ela, é um fator que contribui para o aumento da ansiedade, dos transtornos alimentares e de outros problemas de saúde mental entre as mulheres. “A mulher evoluiu, conquistou novos espaços, mas sem um reequilíbrio das responsabilidades entre os gêneros, ela se vê sobrecarregada”, afirma.

 
A “Mulher Maravilha” e o preço da perfeição


O mito da “Mulher Maravilha”, que consegue atender a todos esses papeis com perfeição, cobra um preço alto. “São tantas máscaras que, em meio a elas, as mulheres se desconectam de quem realmente são. Muitas vezes, chegam ao consultório sem saber ao certo o que querem para si, perdidas entre o que esperam dela e o que ela própria deseja” explica a psicanalista. Esse acúmulo de personagens pode fazer com que elas esqueçam de seu verdadeiro eu, vivendo no “piloto automático”.

A carruagem da vida: uma metáfora para o processo de cura Muriana utiliza uma analogia delicada para descrever o processo psicoterapêutico: “Imagine que cada pessoa é como uma carruagem, onde os cavalos representam as emoções, o cocheiro é a mente que tenta controlar essas emoções, o corpo é a carruagem em si e o passageiro é a alma” ilustra. “Muitas vezes, as emoções estão descontroladas, a mente não consegue mantê-las sob controle, e o passageiro – o verdadeiro eu – está adormecido. A terapia é um processo de acordar esse passageiro, colocar a mente no comando e cuidar do corpo para que a jornada seja harmoniosa, para que aquela mulher chegue no destino que ela traçou para si, e não onde os cavalos, ou as emoções, guiam sem direção”, pondera. Para ela, quando a mulher se reconecta com essa essência, encontra forças para definir seu próprio caminho, saindo do automático e escolhendo onde quer chegar. “Essa é a verdadeira liberdade,” conclui.

 

 O custo da saúde mental

Durante muito tempo, a psicoterapia foi vista como algo para pessoas com “problemas mentais graves”. No entanto, como observa a psicanalista, estamos vivendo uma mudança de paradigma. “Hoje, percebemos que saúde mental é o que há de mais precioso. Ela é a base para que qualquer conquista tenha sentido e para que possamos construir uma vida plena. Sem saúde mental, nenhuma outra realização se sustenta”. Ela também ressalta o aumento da busca por psicoterapia após a pandemia, que trouxe à tona a necessidade de um cuidado mais profundo e constante com a saúde mental.

 
Ainda assim, o acesso à terapia é um privilégio. “Temos hoje, pela alta demanda e pouca disponibilidade de recursos humanos, um sistema que trata sintomas, mas não chega à raiz,” explica. Segundo ela, as terapias medicamentosas são fundamentais em muitos casos, mas sem a compreensão das causas mais profundas dos problemas, acabam sendo apenas paliativas.

 
Por outro lado, temos uma busca incessante por algo que não necessariamente é o que traz felicidade. O que vivemos no tempo atual é uma idealização, um estereótipo de felicidade. “A felicidade vendida na rede social está em viver a viagem do outro, comer o que os outros comem. Estamos sempre correndo atrás de um futuro sem valorizar o hoje. Parece banal falar que a vida é o presente mas é isso: hoje as conquistas não são comemoradas, mesmo que de forma simples. Quem se presenteia com um jantar íntimo, momento especial, dando um abraço em alguém? Quando ficamos sempre percorrendo algo, não curtimos esses momentos, que já são a própria felicidade”, avalia. Para ela, percorrer o caminho e ver na trajetória o próprio prazer, não é clichê. Se assim o fosse, as pessoas não escalaram montanhas, iriam de helicóptero. Mas, é o piloto automático que faz com que nos esqueçamos disso.

Todos tem um objetivo que é chegar lá, no seu destino, mas cada passo é especial, então as pessoas se frustram. Ou então, querem alcançar por alcançar. Tenho muitos casos de pacientes que são empresários e que fazem muito dinheiro. Acumulam muito dinheiro, chegam no topo e no que chamamos de platô depressivo. Isso acontece pois nunca pensaram o que queriam com aquelas conquistas todas. Atingem o ápice e lá ficam: perdem a capacidade de sonhar pois não viveram algo que tinha sentido para eles, era só um número”, reflete Muriana.

 

Questionamentos que tiram do piloto automático

Perguntas como “qual é a minha régua?”, “o que me define”, “o que faz sentido na minha vida?” nos colocam em perspectiva. Pois, ao olhar para o outro, validar o outro, acabamos por nos desvalidar. Ao permitir isso, segundo Muriana, a mulher já destrói um universo de coisas dentro de si e começa um processo depressivo, ansiogênico. “Não estou olhando para minha carruagem, para meu caminho, para meu processo. Começa uma ruptura com o meu eu neste momento”, sinaliza. E as redes sociais são um convite diário para entrar na vida do outro. “Muitas vezes as pessoas dizem que não tem tempo de fazer terapia. Mas quanto tempo passam nas redes? A gente passa o tempo todo com muita tentação de viver a vida que não é a nossa”, questiona. Estar com a saúde mental bem alinhada, trabalhar autoconhecimento, autoestima, constroi uma musculatura psíquica para lidar com o mundo do trabalho. “O básico para ter uma vida de sucesso é ter saúde mental bem trabalhada”, defende Muriana.

 

Um mergulho que abre espaço para novas possibilidades

Investir em autoconhecimento, na imersão em si mesmo, abre espaço para novas possibilidades, para se olhar de outra forma e, principalmente, para conseguir entender sua própria trajetória, seus sonhos, seu verdadeiro caminho. “É muito importante para as mulheres se dedicarem a este mergulho interno buscando esse encontro com aquilo que faz sentido pra elas no mundo. Em um mundo onde temos muita influência das redes sociais, das referências externas, a tal grama mais verde do vizinho, e da própria demanda de perfeição associada à mulher, é importante usar a terapia como ferramenta. Uma grande aliada para fazer esse mergulho interno e cada vez ficar mais liberto deste mundo de comparação e exigências e se conectar consigo mesma”, conclui a terapeuta.

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